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COMO SE FAZ UM PILOTO DE CAÇA

Reportagem publicada na revista MANCHETE No1067, de 30 de setembro de 1972. 

Essa matéria tem como referência um email enviado à ABRA-PC pelo Cel. Bukowitz, há alguns meses:

  • 29 May
  • Para os arquivos da ABRA-PC
  • Matéria de 1972, texto de Ricardo Noblat
  • Abs, Buko

Nota do editor:

Além da importância histórica do documento, uma constatação: 40 anos se passaram; gerações de caçadores se sucederam; as plataformas de armas evoluíram, e com elas o currículo de formação na AFA e na Aviação de Caça, bem como as táticas de emprego.

Mas o Piloto de Caça, em essência, é o mesmo!

Do texto: "Quando  conversei  com  eles  sobre  avião,  sobre  a  formação  de  um  piloto  de  caça,  dificuldades,  problemas, sonhos, comecei a compreender porque eles não ficaram pelo meio do caminho. Têm percepção agudíssima para tudo, e  memória  extraordinária.  São  agressivos,  combativos.  Quando  falam  sobre  aviões,  sobre  missões  de  guerra,  se empolgam, percebo que seus olhos brilham mais, retesam alguns músculos, parece que se transpõem para dentro de uma aeronave." 

O artigo, em seis páginas, foi digitalizado do original e é apresentado em primeiro lugar. Para simplificar a leitura, seguem, logo após, o texto e as fotos em separado.

À apreciação dos caçadores e entusiastas da Aviação de Caça!


 

 ARTIGO NO ORIGINAL

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  TEXTO

*Texto de RICARDO NOBLAT

 CAMARGO observa atentamente o painel de controle do avião: vôo absolutamente tranquilo. O jato de caça TF-33, a uma velocidade extraordinária, parece imóvel no espaço. Camargo olha as mãos enluvadas, sente o ar inflando sua roupa e comprimindo o abdome, provocando uma leve dor. Mais um quarto de hora e ele iniciará a descida. Levanta a vista novamente para o painel de controle e vê uma pequena luz vermelha perturbando a normalidade da cabine. Em frações de segundo compreende: o avião está pegando fogo.
Base Aérea de Fortaleza, dez horas da manhã, tempo bom, temperatura em elevação. Militares de alta patente, oficiais, instrutores, alunos, acompanham a tragédia do TF-33 e do seu piloto.

O avião deixa um rastro de fumaça. Há perda de rotação e pressão de combustível. Camargo reduz o manete para dar menos combustível. Não adianta: continua engrossando o rolo de fumaça que penetra na cabine.

Camargo  observa o  fogo  se  alastrando  e  pequenas explosões de  instrumentos. Só há uma coisa a fazer: abandonar o avião que explodirá em segundos. Ele senta-se erecto, puxa os punhos da cadeira, e prepara-se para acionar o gatilho que o lançará ao espaço.

Do lado de fora o instrutor acena. Camargo  solta as correias e sai da cabine.
- Perfeito. O seguinte.
O  aluno  Rosalvo  aperta  o  capacete  e  entra  no  simulador  de  vôos.  Dentro  de  pouco  tempo  seu  avião  entrará  em parafuso perdendo o controle.

Os futuros pilotos são jovens que se empolgam quando falam de aviões.

“Voar pela primeira vez e sentir o caça obedecer as minhas ordens foi uma sensação extraordinária” – disse um deles.

É longo e penoso o caminho que percorre um homem em busca da patente de piloto de caça do Brasil. Todos os anos,  5  a  6  mil  candidatos  se  inscrevem  no  concurso  à  Escola  Preparatória  de  Cadetes  do  Ar  em  Barbacena,  Minas Gerais, e disputam  300 vagas. Aprovados no  concurso, e também  em  rigorosos exames médicos e psicológicos, esses homens estudam durante três anos, o que equivale ao curso científico.

Em Natal, Rio Grande do Norte, iniciam verdadeiramente sua formação de pilotos militares. Aprendem a voar e pilotam o Uirapuru, avião nacional e o T-37, jato que também é utilizado pela Força Aérea norte-americana. No fim do curso  são  considerados  pilotos  militares,  mas  estão  somente  no  meio  do  caminho  que  os  levará  a  Fortaleza,  ao Esquadrão de Caça.

De Natal esses homens vão para Pirassununga, em São Paulo, para a Academia da Força Aérea. Metade dos 300 aprovados em  Barbacena já ficou pelo  meio  do  caminho  barrada por provas de conhecimento, por exames de saúde, testes psicológicos ou observações dos instrutores. São três anos de estudos em Pirassununga, o equivalente ao curso superior.  Ao  mesmo  tempo  em  que  estudam  matérias  teóricas,  eles  pilotam  jatos  T-37  em  vôos  de  manutenção  e treinamento. Em março de cada ano, dos 150 que chegaram a Pirassununga apenas 26 ou 30 são aprovados e enviados para Fortaleza, para o curso de seleção de pilotos de caça. Convivi com 30 alunos deste ano. No cassino, nos jogos, nas brincadeiras, me pareceram homens absolutamente iguais àqueles que foram ficando pelo meio do caminho.   Tem as mesmas  aspirações  que  os  outros,  as  aspirações  de  um  homem  da  classe  média:  um  bom  emprego,  mulher,  filhos realização afetiva e profissional.

Quando  conversei  com  eles  sobre  avião,  sobre  a  formação  de  um  piloto  de  caça,  dificuldades,  problemas, sonhos, comecei a compreender porque eles não ficaram pelo meio do caminho. Têm percepção agudíssima para tudo, e  memória  extraordinária.  São  agressivos,  combativos.  Quando  falam  sobre  aviões,  sobre  missões  de  guerra,  se empolgam, percebo que seus olhos brilham mais, retesam alguns músculos, parece que se transpõem para dentro de uma aeronave. “A sensação mais extraordinária que senti até hoje foi, ao voar sozinho pela primeira vez, sentir o avião obedecer a todas as minhas ordens” – observa um aluno do curso.

O curso é cansativo, mas eles enfrentam os estudos com alegria, e nas horas de folga não dispensam as brincadeiras.

Em Fortaleza,  assistidos  por  17  instrutores,  esses  homens  fazem,  primeiro,  um  curso  teórico  de  instrução técnica do TF-33.   Num  imenso  pavilhão  eles estudam  minuciosamente cada peça de um TF-33 todo  desmontado, da parte de combustível ao controle de vôo, passando pelo sistema elétrico, hidráulico, de armamento. Este treinamento leva  duas  semanas.  Depois  são  submetidos  a  um  teste  onde  a  nota  para  aprovação  é  sete.  Se  o  aluno  não  passa  na prova, tem uma segunda. Se não for aprovado mais uma vez irá ao Conselho de Instrução que decidirá seu destino: ou lhe dará uma terceira chance ou desligará definitivamente do curso.

A fase seguinte é a de aprendizado de pilotagem de um TF-33.
- Inspeção externa feita?
- Positivo.
- Sistema de armamento checado?
- Tudo OK.
- Qual deve ser o procedimento em vôo caso o motor pare?
- Ligo o Gangstart para acionamento imediato de um novo ciclo normal de partida, ponho a manete em idle para reduzir  o  motor  à  marcha  lenta.  Antes  de  começar  a  voar  com  o  instrutor,  e  depois  sem  ele,  o  aluno  tem  conhecer teoricamente  e  com  profundidade  todos  os  procedimentos  de  vôo.  Para  isso  ele  decora  uma  imensa  apostila  de instrução e vive no  simulador   todas as situações que enfrentará num  avião, desde situações normais (saber fechar o canopi,  ligar  os  motores,  se  comunicar  com  a  torre  de  controle)  até  as  emergências  (se  a  porta  de  armamento  mal fechada se abrir com o avião no ar, que fazer? Se o fogo começar na cabine, como se salvar?)

Numa cabine   indevassável   no   simulador   de   vôo   o   aluno   aprende   a   pilotar   exclusivamente   através   dos instrumentos do avião, sem enxergar absolutamente nada a não ser os instrumentos. E finalmente o vôo.

Instrutor: Reginaldo. Aluno: Perez. Número do avião: 4362. Missão 1F6. Área de instrução: L1.

Às sete e quarenta e cinco da manhã Reginaldo  e Perez dão  início ao  briefing, apronto  de vôo.   Durante uma hora discutem o que vão fazer, a área que sobrevoarão com todos os seus acidentes geográficos, as prováveis situações que terão de enfrentar e o comportamento nessas situações. Às oito e quarenta e cinco Reginaldo e Perez entram no avião e começam a prepara-lo para o vôo. Às nove e trinta disparam pela pista e decolam.

Quando o piloto aprende a voar sozinho, passa para a etapa do armamento. Primeiro treina  o  tiro  terrestre. 

Depois  o  bombardeio  picado,  o  rasante,  o  ataque  com  foguetes  e, finalmente, o tiro aéreo, onde o alvo é rebocado por outro avião.

Reginaldo  está  no  comando,  em  comunicação  direta  com  a  torre  de  controle.  Perez  observa  as  manobras  e recebe explicações. Um mês depois desse vôo Perez voará sozinho. Depois aprenderá a voar à noite, com o instrutor e sem ele. Chegará ao vôo de formatura que é o vôo de caça por excelência. Voará acompanhado por mais um, três ou sete aparelhos. É nessa fase em que se registra o maior número de desligamentos e mais homens vão ficando pelo meio do caminho.

A etapa seguinte é a de emprego de armamento de avião. O aluno aprenderá primeiro o tiro terrestre. Depois o bombardeio picado, o rasante, o ataque com foguetes e, finalmente, o tiro aéreo, onde o alvo é uma faixa de tecido de nylon com seis pés de largura por 30 de comprimento, rebocada por outro avião.

De terça à sexta-feira é quase inalterável a rotina no Esquadrão de Caça. Oito horas, nem mais um segundo de tolerância, é feita a chamada dos alunos. Depois aulas, simulação de vôos, trabalho nas seções até o meio-dia, e vôos para os instrutores e alunos escalados. À tarde a mesma coisa. Além de instrução de vôo os alunos estudam 19 matérias diferentes até o  fim  do ano.  O fim  de semana é livre. Na segunda-feira há esportes, aulas, educação  física e reuniões administrativas. É nesse dia que todos os instrutores e mais o comandante do Esquadrão, Coronel Luís Carlos da Silva, se trancam numa sala sem janelas onde não são interrompidos por motivo nenhum e discutem os problemas dos alunos: aproveitamento,  dificuldades,  questões  pessoais.  Não  existe  um  prazo  previsto  de  duração  para  uma  reunião  dessas. Ano passado um começou às 10 horas de manhã e terminou às 10 da noite.

Depois  dos  três  anos  de  Barbacena,  um  em  Natal,  mais  três  em  Pirassununga  e  mais  um  em  Fortaleza,  os homens  que  venceram  todos  os  obstáculos  são  declarados  pilotos  de  caça  do  Brasil.  Além  dos  estudos  intensivos voaram, em média, 15 horas por mês. São designados então para o Esquadrão de Caça Operacional de Santa Cruz, no Rio,  ou  para  o  Esquadrão  de  Porto  Alegre.  Num  desses  dois  lugares  continuarão  estudando  e  pilotando  aviões.  E, certamente, o mesmo sonho será comum a todos esses homens: pilotar o Mirage.

 


 FOTOS

* Fotos  de PETER FREY

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