USO OPERACIONAL DO NVG
("Night Vision Goggles"- Óculos de Visão Noturna)
NOS ESQUADRÕES DO TERCEIRO GRUPO DE AVIAÇÃO

  

(Prêmio Pacau Magalhães-Motta, ano de 2005,  1º lugar)

NOTA: 
O conteúdo deste documento reflete a opinião do autor, quando não citada a fonte da matéria, não representando necessariamente, a política ou prática da Associação Brasileira de Pilotos de Caça ou do Comando da Aeronáutica.
  

 RESUMO


O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma proposta de utilização operacional dos óculos de visão noturna (NVG) pelos Esquadrões do Terceiro Grupo de Aviação.

Inicialmente será apresentado um breve histórico da evolução da guerra noturna, abordando os principais fatores que impulsionaram o homem, desde seus primórdios até os dias atuais, a buscar o combate no período noturno.

Após, faremos uma sucinta apresentação do equipamento que será utilizado pelos Esquadrões do 3o G.Av: o ANVIS-9. Ressalta-se que neste trabalho não serão abordados assuntos como a fisiologia do olho humano; princípios de funcionamento do NVG; componentes do sistema etc, em virtude de existirem inúmeros outros trabalhos que tratam destes assuntos. Portanto, no que tange aos assuntos básicos, este trabalho se restringirá a comentar somente os assuntos diretamente afetos na condução dos vôos operacionais.

Em seguida iniciaremos a dissertar a respeito do uso operacional, propriamente dito, do NVG. Serão comentadas as principais missões nas quais poderemos utilizar estes equipamentos, as formaturas sugeridas e fatores que deverão ser observados desde o planejamento até a consecução dos vôos. É importante ressaltar que este trabalho não tem a pretensão de se tornar a doutrina para os vôos com o NVG. Trata-se apenas de uma análise de alguns aspectos relevantes compilados de outros trabalhos. Desta forma, esta monografia não esgota o assunto, representando apenas o primeiro passo de uma longa jornada.

Na seqüência serão apresentados alguns equipamentos que foram concebidos na tentativa de se minimizar as deficiências apresentadas pelos atuais óculos de visão noturna. Veremos quais são e quais as vantagens que eles proporcionam. Por fim, faremos uma rápida conclusão, relembrando os principais aspectos apresentados neste trabalho.

  

CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO


Já passa um pouco das duas e meia da manhã. Três jovens pilotos estão numa pequena sala próxima a um pátio onde se encontram dois A-29. Um deles vai até a porta e observa que o céu está bastante limpo, contemplando o brilho da Lua e das estrelas que tentam iluminar aquela escuridão. Eis que subitamente um telefone toca. É o acionamento do Alerta de Defesa Aérea!! Os três saem correndo em direção às suas aeronaves sem saber ainda o que vai acontecer dentro de poucos minutos. Uma descarga de adrenalina toma conta do corpo destes homens. O coração acelera a níveis elevadíssimos.

Já passaram por isso várias vezes, mas o corpo teima em não se acostumar. Toda vez é a mesma coisa: essa emoção que somente eles poderiam descrever. Entram nas naceles de suas máquinas, realizam a amarração e apanham seus capacetes equipados com óculos de visão noturna. Acionados os motores, iniciam o táxi para a cabeceira da pista e, cinco minutos após o telefone tocar, avançam as suas manetes, fazendo os motores de seus vetores de caça acelerarem, decolando para cumprir mais uma missão de interceptação.

Logo após a decolagem realizam contato com o controlador, que está a bordo de um R-99, e recebem as primeiras informações a respeito da missão.

“Cacife?”
“Pronto”
Trata-se de um “fantasma” a 68 milhas e, aparentemente, voando no nível 050.

Os pilotos continuam a receber as instruções do controlador e, quando a vinte milhas, colocam seus óculos de visão noturna. Ao mesmo tempo o 2P (2o piloto) da segunda aeronave aciona o FLIR na tentativa de obter o contato visual com o alvo.

“Tally!”
“Ele está às nossas onze horas baixo.”

O Ás avista o pequeno avião.

“Judite.”
“Ciente, acuse quando em posição.”

O Cessna 182-R está todo apagado. Os pilotos se aproximam cuidadosamente, posicionando-se de forma a colher o maior número de informações a respeito daquele tráfego.

“PT-XYZ”, informam os pilotos.

Ao consultar seu banco de dados o controlador verifica que aquela matrícula está com seus registros irregulares e orienta aos interceptadores que realizem a interrogação da aeronave interceptada.

O líder, seguindo a orientação, posiciona-se de acordo para interrogar o "PT", enquanto o no 2 permanece às seis horas do interceptado. O Ás realiza todos os procedimentos previstos para tentar contato, efetuando chamadas tanto em português quanto em inglês, usando inclusive o farol de interrogação para tentar chamar a atenção daquele piloto.

Porém, nenhuma resposta é obtida. Ao invés disto, os caçadores observam que o Cessna começa a descer e a curvar para a proa 270o. Acompanham a mesma e, em virtude deste comportamento suspeito, o controlador solicita que seja comandada uma mudança de rota, de forma a fazê-la pousar no aeródromo mais próximo, para que fosse fiscalizada pelas autoridades em terra. Novamente nenhuma resposta é obtida.

A fronteira se aproxima e, se nenhuma atitude for tomada, dentro de 25 minutos este piloto estará sobrevoando território estrangeiro e nossos caçadores nada mais poderão fazer.

Pelo rádio vem a ordem do tiro de aviso. O Ás se posiciona, informa ao interceptado e dispara suas metralhadoras ponto 50. As traçantes logo surtem efeito, porém o oposto do desejado. O Cessna passa a voar mais baixo, agora apenas o suficiente para livrar a copa das árvores. Os interceptadores ficam espantados com a altura que aquela aeronave está voando. Agora, faltam apenas 15 minutos para a fronteira. Não tendo mais nenhuma opção as autoridades brasileiras comandam o tiro de destruição.

Mais uma vez o líder se posiciona, alerta o "PT" que sua aeronave poderá ser destruída e, por não obter nenhuma resposta, mergulha para o tiro. A precisão do sistema de pontaria do A-29 é impressionante e, com uma curta rajada, o motor do pequeno Cessna já começa a soltar fumaça. Poucos instantes após, o pequeno avião colide contra as árvores, entrando selva adentro.

As coordenadas do local da queda são transmitidas à Polícia Federal que algumas horas após, com o raiar do Sol, chega à clareira aberta na mata. Lá os policiais encontram além da aeronave abatida, 200 kg de pasta de coca e o piloto morto, um traficante a tempos procurado pela Polícia.

Lamentavelmente, este não é um relato de uma história real, mas descreve toda uma situação que poderá vir a se tornar rotineira dentro de pouco tempo. Com a aquisição de novas aeronaves, como o A-29, e a modernização de outras, a Força Aérea Brasileira passará a contar com aviões que possuem equipamentos considerados “no estado da arte”; equipamentos estes que nos conferirão a capacidade de realizar missões a qualquer hora do dia, inserindo a FAB num contexto até agora pouco explorado: “a guerra noturna”.

Portanto, este trabalho tem por objetivo apresentar uma proposta de utilização operacional do NVG, de forma que as Unidades do 3o G.Av, sejam capazes de cumprir, com este equipamento, todas as missões previstas para a Aviação de Caça.

  

CAPÍTULO 2

HISTÓRICO DA GUERRA NOTURNA


Por que voar à noite? Esta é a primeira pergunta que nos fazemos ao depararmos com matérias que falam a respeito do uso do NVG. Esta talvez, seja uma das questões mais fáceis de ser respondida; e a resposta não é uma super descoberta de algum país super desenvolvido, algo recente, mais sim um pensamento que há muito tempo vem sendo aplicado e aprimorado.

Desde o início dos tempos, o homem com sua necessidade intrínseca de obter poder, conquistar terras e impor a sua vontade sobre outros povos, travou muitas batalhas contra seus inimigos. Estes conflitos, por sua vez, fizeram com que muitos estrategistas buscassem maneiras de obter vantagem mais rapidamente sobre seus adversários e um dos caminhos encontrados foi negar ao lado oposto um tempo para recompor as suas forças. Desta forma, o combate precisaria ser conduzido durante as vinte e quatro horas do dia e, assim, venceria a disputa aquele que tivesse condições de melhor usufruir o que a noite lhe oferecia.

Paralelamente a isto, e com o avanço da tecnologia, o homem, com sua criatividade e engenhosidade características, foi desenvolvendo novas armas e equipamentos que lhe confeririam vantagens no campo de batalha. Indubitavelmente, foi nos períodos dos grandes conflitos que a humanidade experimentou os maiores avanços tecnológicos.

Com o surgimento do balão e do avião, logo muitos visualizaram nestes equipamentos um incrível potencial de emprego bélico. Inicialmente foram utilizados apenas em missões cujo objetivo era a obtenção de informações operacionais das tropas inimigas e direcionar a artilharia. Aproveitando ainda que poderiam sobrevoar o território inimigo sem serem atingidos, levavam consigo pequenas bombas que eram lançadas sobre as tropas, mas sem capacidade de contribuir diretamente com as operações de combate. Com o sucesso destas missões, percebeu-se que eles poderiam fazer muito mais do que isso. O próximo passo foi impedir que as aeronaves inimigas pudessem obter estas vantagens e assim surgiu o combate aéreo.

Já na Primeira Guerra Mundial podemos encontrar relatos de bombardeios noturnos realizados por dirigíveis alemães contra a cidade de Londres. A idéia de se empregar durante o período noturno era de não ser detectado visualmente pelo inimigo, já que essa era a única forma de detecção até então existente. Entretanto, os dirigíveis eram grandes e lentos e quase sempre eram derrubados, após os ataques, pelas defesas inimigas. Entra então, definitivamente, no cenário da guerra aérea a figura do avião de combate, menores e mais ágeis que os monstruosos dirigíveis.

Na Segunda Guerra Mundial, agora com um cenário completamente diferente, composto por aviões bombardeiros com grande capacidade de transporte de bombas, artilharias antiaéreas de maior alcance, aviões de caça, e com o advento do radar, mais uma vez, a aviação de combate volta a buscar refúgio sob o manto da escuridão. Inúmeras foram as missões de bombardeio noturno realizadas contra as cidades de Londres e Paris, como forma de fugir das aeronaves interceptadoras e para o desespero da população.

Este raciocínio permanece até os dias de hoje, podendo ser confirmado se observarmos a invasão do Iraque pela Força de Coalizão da ONU. Todas as Forças Armadas preferiam surtidas noturnas às diurnas.

Além disso, se olharmos para um de nossos vizinhos, a Colômbia, veremos que 83% de suas operações aéreas são realizadas no período noturno e com NVG. Lá isso se tornou uma questão de sobrevivência, principalmente devido à presença das FARC nas proximidades de seus aeródromos.

Desta forma podemos perceber que a evolução da guerra aérea noturna esteve apoiada sob três vigas mestres, que são elas:

a) menor taxa de atrito: operando protegido pela noite aumenta-se a dificuldade do inimigo nos detectar, conseqüentemente de sermos atacados e abatidos;
b) fator surpresa: a fisiologia do corpo humano leva o indivíduo a executar tarefas no período diurno e repousar no período noturno, desta forma o nível de atenção à noite é bem menor do que de dia;
c) operação a qualquer hora: este, talvez, seja o fator mais importante para uma Força Aérea moderna, a capacidade de pronta-resposta a qualquer momento.

Visto isto, podemos compreender o quão importante é estar preparado para manter o esforço de combate 24 horas por dia. Para isso o uso de equipamentos que aumentem a capacidade de visão noturna é imprescindível e é justamente neste ponto que o NVG tem seu emprego justificado, abrindo as portas da guerra aérea moderna para a FAB.

  

CAPÍTULO 3

O ANVIS-9


Antes de iniciarmos a discorrer sobre o uso operacional do NVG nos Esquadrões do Terceiro Grupo de Aviação faz-se necessário mencionar quais os objetivos propostos com a implantação deste equipamento, bem como realizar uma descrição sucinta deste aparelho, abordando suas principais características e limitações.

3.1 – OBJETIVOS PROPOSTOS

Resumindo em poucas palavras quais os objetivos a serem alcançados com a utilização deste equipamento, podemos dizer que ele possibilitará uma navegação à baixa altura noturna, aumentando as chances de sobrevivência e o fator surpresa contra um inimigo que não nos detectará, permitindo infringir-lhe, à medida que é pego despreparado, o maior dano possível. Além disso, permitirá a interceptação e identificação de aeronaves sem iluminação externa, quer estejam voando alto ou baixo.

Ou seja, representará um ganho operacional para toda a Força, incluindo-a no “hall” dos países que podem “ver sem ser vistos”.

3.2 – CARACTERÍSTICAS E LIMITAÇÕES

Serão apresentadas a seguir as principais características e limitações do equipamento que será utilizado pelos Esquadrões do 3o G,Av, o ANVIS-9.

a) equipamento passivo (requer alguma iluminação);
b) intensificador de imagens (amplifica a luminosidade de 2.000 a 3.500 vezes);
c) controle automático de brilho e proteção contra uma fonte brilhante (regula automaticamente o ganho do equipamento e evita ofuscamento por fontes brilhantes);
d) duração prolongada das baterias (aproximadamente três horas);
e) não aumentam nem diminuem a imagem;
f) peso de 800g, sendo necessária a instalação de contrapesos entre 340g e 620g;
g) pode ser rebatido para cima, deixando os olhos livres em caso de necessidade;
h) campo de visão reduzido para 40o (normal chega a 200o);
i) reduz a capacidade de percepção de profundidade e a avaliação de distâncias (esses fatores serão minimizados com treinamento e com a experiência);
j) são menos efetivos quando encontradas situações de chuva, neblina, geada e fumaça; e
k) são mais baratos, mais leves e mais simples de operar se comparados aos equipamentos de imageamento termal.

  

CAPÍTULO 4

USO OPERACIONAL


O simples fato de se voar com NVG não é uma tarefa fácil e irá requerer um bom treinamento por parte das equipagens. A perda da noção de profundidade e a desorientação espacial estarão presentes em todos os vôos e caberá ao piloto tomar as medidas necessárias para minimizar os seus efeitos.

As técnicas de “scan”, que serão utilizadas pelo tripulante de modo a formar uma imagem completa do ambiente externo, associadas a um constante cheque cruzado com os instrumentos de vôo serão as ferramentas utilizadas para se evitar a ocorrência daqueles problemas.

Ao acrescentarmos o uso do NVG a um vôo em formação teremos os nossos fatores complicadores multiplicados, pois todas as preocupações inerentes ao vôo isolado serão agora acrescidas do compromisso de se manter um posicionamento dentro da formatura e conhecer o posicionamento das outras aeronaves. Mais do que nunca, a consciência situacional será fator primordial para a condução segura destes vôos.

4.1 – FORMATURAS BÁSICAS

Por se tratar de uma fase intermediária entre o vôo isolado e as formaturas operacionais e levando-se em conta que, de alguma forma, todos os vôos em formação podem começar ou terminar utilizando-se os princípios das formaturas básicas faz-se oportuno comentar alguns fatores que deverão ser considerados na realização destes vôos.

4.1.1 – PROCEDIMENTOS DE SOLO E DECOLAGENSNormalmente ocorrerão dois casos distintos:

a) Aeródromos compartilhados ou áreas muito iluminadas: Neste caso, os procedimentos de solo serão realizados conforme o previsto para o vôo noturno sem NVG. A decolagem deverá ser, prioritariamente, na ala e com os visores rebatidos (flip-up), após a decolagem e dependendo do perfil da missão a ser cumprida serão adotados procedimentos que serão detalhados mais adiante;
b) Aeródromos não compartilhados ou áreas pouco iluminadas: Nesta situação, todos os cheques (exceto as inspeções preliminares e externa) serão realizados com os visores baixados, de maneira que o tripulante já se ambiente com o equipamento. A decolagem será isolada, também com os visores baixados, e especial atenção deverá ser dada ao procedimento de reunião após a decolagem que, em virtude da diminuição da noção da razão de aproximação, deverá ser feita com menor diferencial de velocidade e buscando-se um posicionamento semelhante ao da Formatura Rota. Se a qualquer momento a reunião for considera perigosa deve-se desfazer a inclinação e aliviar a puxada, de forma a passar por trás e por baixo da aeronave do Ás.

4.1.2 – SUBIDAS, DESLOCAMENTOS E DESCIDAS

Essas fases do vôo, quando julgado conveniente, poderão ser realizadas da mesma maneira que o vôo noturno normal. Entretanto, para a realização das mesmas com o NVG deve-se adotar um posicionamento semelhante à Formatura Rota, variando desde seu limite máximo, para as noites mais claras, até o seu limite mínimo, para as noites mais escuras.

Em virtude da perda da noção de profundidade, o posicionamento de ala, da Formatura Básica, não deverá ser utilizado enquanto os pilotos estiverem utilizando o NVG, de forma a se prevenir uma colisão entre as aeronaves.Sempre que possível, quando utilizando formaturas que requeiram um posicionamento mais próximo, deve-se evitar realizar curvas com mais de 30o graus de inclinação.

4.1.3 – POUSOS

Os procedimentos para pouso seguirão o mesmo raciocínio das decolagens, ou seja, quando se aproximando de áreas muito iluminadas estaremos voando sem o NVG, seguindo todos os procedimentos para o vôo visual noturno. Especial atenção deverá ser dada ao fato de que, após a retirada dos NVG, leva-se de 3 a 5 minutos para se adaptar a visão ao escuro. Portanto, o equipamento deverá ser retirado ainda na descida.

Quando o local para pouso não possuir iluminação alguma será necessário o uso dos óculos de visão noturna para pousarmos com segurança. Para isso, este procedimento deverá ser exaustivamente treinado pelos pilotos, tendo em vista todas as restrições causadas pelo equipamento (neste caso a perda da noção da razão de afundamento é a que mais compromete). O procedimento de “peel-off” poderá ser realizado, desde que seja executado com 45o de inclinação e 1,5 G. Se a qualquer momento a aproximação for considerada perigosa deve-se arremeter de imediato, executar outro tráfego e tentar um novo pouso. Os pousos, quando realizados com NVG, serão sempre isolados.

4.2 – NAVEGAÇÕES E ATAQUES

Evitar a detecção é um ponto crítico para o sucesso de uma operação militar em qualquer campo de batalha. A escuridão protege a tripulação da detecção ótica e visual do inimigo; entretanto, não nos protege da detecção eletrônica. Para evitá-la, uma das soluções é conduzir o vôo à baixa altura sobre o território inimigo.

O vôo no período noturno deve ser conduzido essencialmente da mesma maneira que durante o dia. Entretanto, as operações noturnas são mais perigosas em virtude das limitações visuais. Ao planejarmos uma missão noturna com NVG, devemos considerar os efeitos destas limitações, as técnicas de vôo noturno, os níveis de luminosidade ambiente, o preparo da aeronave e da tripulação e os procedimentos de emergência possíveis de ocorrer.

Antes de discorrermos a respeito do uso do NVG nestas missões, serão comentados alguns fatores que devem ser considerados durante os planejamentos destas missões.

4.2.1 – FATORES DE PLANEJAMENTO

a)Escolha dos pontos de controle: Selecionar pontos que contrastem com o terreno ao seu redor, evitando-se aqueles que possam estar localizados à sombra de acidentes geográficos. Optar por pontos que estejam distantes de cidades, pois estas podem ser maiores do que a carta representa. Priorizar pontos que possuam “barreiras” próximas, isto é, pontos que sirvam de alerta à tripulação de algum desvio da rota; e que estejam distantes entre si de 5 a 8 minutos (Ponto de Início ->ALVO 3 a 5 minutos). Buscar marcar pontos de referência intermediários, para auxiliar na confirmação da rota. Quanto menor o nível de luz ambiente, maior o número de pontos.
b) Escolha das rotas: Tal como nas navegações diurnas deve-se evitar ao máximo o vôo ao longo de estradas, ferrovias e rios; caso seja necessário cruzar estes eixos que seja realizado o mais perpendicularmente possível, de forma a reduzir o tempo de exposição. Evitar traçar a rota sobre extensas áreas de baixo contraste, tais como espelhos d’água e campos descampados. Evitar rotas com variações de proa maiores que 60o, principalmente nos vôos em formação.
c) Posição da Lua: Nos vôos noturnos com o NVG a Lua influenciará como o Sol nos vôos diurnos, portanto evite planejar rotas que estejam com a Lua na proa, principalmente se ela estiver baixa em relação ao horizonte. Procure observar se o cruzamento de grandes vales se dará pelo lado escuro ou iluminado.
d) Cartas: Usar preferencialmente as cartas de 1:250.000 e utilizar canetas pretas ou azuis para a confecção dos mapas.
e) Considerações gerais: Lembrar-se de consultar os mapas de risco e plotar todos os obstáculos existentes na rota, além de determinar as altitudes mínimas de segurança.

4.2.2 – DURANTE OS VÔOS

a) Tenha sempre em mente que fios são invisíveis; logo, podem estar em qualquer lugar. Considere ainda que toda e qualquer estrada ou ferrovia pode possuir postes e fios.
b) Caso aviste pássaros, NÃO curve, suba, se possível.
c) Minimize curvas, subidas, descidas e variações de velocidade em vôos de formação.
d) Para evitar o ofuscamento ou atenuação da imagem do NVG busque sempre tirar a fonte luminosa do campo de visão do visor. Há reportes de, em combate, terem sido utilizados holofotes para se ofuscar os tripulantes das aeronaves voando com NVG.

4.2.3 – NAVEGAÇÕES ALTANTES

No período diurno, este tipo de navegação é adotado até poucas milhas antes da linha de contato com a finalidade de reduzir o consumo de combustível, aumentando, conseqüentemente, o alcance operacional das aeronaves. Nota-se que, geralmente, são adotadas formaturas abertas como Linha de Frente e Formatura "Box", com o objetivo de aumentar a vigilância do espaço aéreo, com especial atenção ao setor de maior vulnerabilidade: o setor traseiro.

Em relação ao vôo noturno, a habilidade para identificar características artificiais ou naturais do terreno diminui progressivamente com o aumento de altura de vôo. Esta norma vale para todos os níveis de luz ambiente. Quando a altura do vôo aumenta, o contraste entre as formações do terreno fica menos notável e tende a se misturar. Mudanças no ângulo e na distância da qual o objeto está sendo visto mudarão o formato aparente do mesmo. Assim as navegações "altantes" no período noturno acabam sendo relativamente restritas.

Entretanto, este tipo de navegação poderá ser utilizado, mas as formaturas abertas deverão ser evitadas. Imagine a amplitude de movimento que o piloto terá de realizar com a cabeça para checar o setor traseiro, verificar o seu posicionamento na formatura e ainda ter que acompanhar a navegação. Isso poderá fazer com que o piloto fique, literalmente, tonto. Portanto, se for imprescindível o uso de navegações "altantes" a formação deverá adotar um posicionamento igual ao que será utilizado para as navegações à baixa altura. Destaca-se ainda que nesta situação será primordial contar com o apoio de um radar de solo, ou até mesmo de uma aeronave de controle e alarme em vôo, que manterá a esquadrilha informada sobre as possíveis ameaças aéreas, uma vez que a vigilância estará limitada.

4.2.4 – NAVEGAÇÕES À BAIXA ALTURA

Na aviação de combate este tipo de missão é utilizado para ingressar em território inimigo buscando-se evitar a detecção de seus radares e, desta forma, reveste-se de fundamental importância, pois pode representar a diferença entre voltar ou não do campo de batalha. É justamente nestas missões que o NVG tem seu emprego mais facilmente justificado.

Em relação ao vôo noturno, o terreno torna-se mais claramente definido e o contraste é maior quando o piloto voa mais próximo ao solo. Assim, obstáculos naturais e artificiais são mais facilmente reconhecidos e a navegação tática torna-se mais eficiente. Porém, a área do terreno que um tripulante pode ver decresce com a altura. À baixa altura, o piloto pode ter que reduzir a velocidade para permitir uma interpretação de terreno mais precisa. O piloto também pode identificar objetos através das suas silhuetas no horizonte, se estiver à baixa altura.

No período diurno as formaturas mais utilizadas são a Penetração Rasante, Formatura Flecha e Linha de Frente à baixa altura. Para os vôos noturnos, as formaturas abertas deverão ser evitadas pelos mesmos motivos já expostos anteriormente e neste caso teremos ainda mais um agravante: a possibilidade de colisão com obstáculos.

Desta forma, o dispositivo a ser utilizado nas missões de navegação, altantes e à baixa altura, é semelhante ao dispositivo de Penetração Rasante utilizado nos vôos diurnos, diferindo-se apenas que as aeronaves deverão manter a posição de 5/7 horas da aeronave à frente. Esta medida será adotada com o intuito de que as aeronaves consigam manter a aeronave à frente no campo de visão, acompanhem a navegação e consigam desviar dos obstáculos com pouca amplitude de movimento de cabeça, reduzindo-se assim a carga de trabalho do piloto.

4.2.5 – ATAQUES

Assim como no vôo diurno, um detalhado estudo do objetivo faz-se necessário. Especial atenção deverá ser dada às fontes de iluminação que possam comprometer o sucesso dos ataques. Para os ataques noturnos a posição da Lua deverá ser levada em consideração, adotando-se o mesmo raciocínio em relação ao Sol para os ataques diurnos, ou seja, preferencialmente atacar com a Lua às 6 horas.

Devido aos muitos relatos existentes a respeito de desorientação espacial durante a parte final dos ataques, devem ser priorizados os "balsings" de 60 a 90 graus, bem como ângulos de mergulho maiores que 25 graus devem ser evitados.

Quando empregando com metralhadoras ou foguetes, devido ao controle automático de ganho do NVG, poderá ocorrer uma atenuação da imagem devido à queima do propelente dos foguetes ou dos projeteis traçantes. Em virtude disto, os pilotos deverão ser alertados a respeito da tendência de fixação visual com as munições e que o procedimento de recuperar imediatamente após o lançamento do armamento deverá ser sempre executado, pois a aeronave pode estar voando em rota de colisão com um obstáculo que o piloto não esteja visualizando. Quando empregando bombas esta fixação visual será menos notável.

A evasiva após o ataque é um assunto que requererá um profundo estudo para se determinar qual o procedimento deverá ser seguido. Basicamente, existem dois tipos distintos. O primeiro consta de uma recuperação na reta, buscando-se descer rapidamente para baixa altura. Neste caso poderemos nos tornar alvos previsíveis e muito vulneráveis às defesas antiaéreas inimigas. O segundo refere-se a executar manobras evasivas, com grande variação de carga G e mudança de proa, de forma a dificultar a aquisição de nossas aeronaves pelas defesas inimigas. Neste caso, executar estas manobras à baixa altura poderá gerar uma desorientação espacial, que nesta situação poderá ser fatal.

4.2.6 – COBERTURA

Esta missão normalmente é cumprida em apoio às forças terrestres e consiste de uma navegação a partir de um ponto de espera pré-determinado, ou não, até uma posição onde se encontrem os alvos escolhidos por um CAA (Controlador Aéreo Avançado) ou um GAA.

Com o uso do NVG, os Esquadrões do 3o G.Av, terão condições de cumprir estas missões também no período noturno. Importante ressaltar que todas as considerações a respeito das navegações, no tocante a formaturas e limitações, deverão ser observadas.

Para estas missões vislumbramos ainda uma forma alternativa de cumpri-las. Como o NVG é capaz de captar iluminação da região do IR próximo, para as missões de Cobertura existe ainda a possibilidade de os alvos serem iluminados, por outra aeronave ou por tropas terrestres, por um feixe de luz visível somente pelos óculos de visão noturna, de forma a indicar a posição precisa dos alvos. Ressalta-se que este tipo de missão já é realizado pela Força Aérea Colombiana.

4.3 – INTERCEPTAÇÃO E DEFESA AÉREA

Componentes do SISDABRA, os Esquadrões do 3o G.Av cumprem uma missão muito relevante para a nação brasileira: o Alerta de Defesa Aérea. Esta missão consta de aeronaves e pilotos em estado de prontidão permanente, em condições de decolar em um curtíssimo intervalo de tempo após serem acionados, para defender a nação contra ameaças externas que estejam ingressando em nosso território, podendo ainda ser engajados em missões de Auxílio e Socorro em Vôo.

Mas, atualmente, em virtude de o Brasil não se encontrar em conflito com nenhum outro país, os Alertas têm sido, mais comumente, empregados nas missões de policiamento do espaço aéreo brasileiro. Estas missões, por sua vez, visam impedir que aeronaves utilizem o nosso espaço aéreo para atividades ilícitas.

Agora, por que será que até hoje esses Alertas nunca decolaram no período noturno? Será que é porque esses tráfegos ilícitos não voam à noite? Muito provavelmente a resposta não é esta. É até mais provável que eles estejam voando muito mais à noite, pois já devem ter percebido este mesmo fato. Podem também estar apostando na impossibilidade dessas missões serem realizadas com segurança pelos Tucanos.

Felizmente, esta situação está muito próxima de mudar. Com a entrada em operação das modernas aeronaves A-29, a FAB passará a ter condições reais de repreender estes tráfegos ilícitos a qualquer hora do dia ou da noite, e relatos como o da introdução deste trabalho se tornarão muito mais rotineiros.

Estas missões poderão ser cumpridas por uma ou duas aeronaves, de acordo com a situação tática e o esforço aéreo alocado.

Todas as considerações feitas sobre a parte básica do vôo deverão ser observadas. Para a parte avançada, propriamente dita, serão comentados os principais procedimentos.

A parte inicial da interceptação deverá, sempre que possível, ser conduzida sem o uso dos óculos de visão noturna, pois não haverá vantagem em já se estar com o equipamento. Quando a 20 milhas do alvo os pilotos colocarão o NVG. Nota-se que estando com as luzes externas acesas uma aeronave é facilmente avistada a 15 milhas. Em contrapartida, se a mesma estiver com as luzes externas apagadas, só será possível visualizá-la a menos de uma milha de distância. Por isso é imprescindível que os pilotos já estejam com o NVG.

Após interceptar a aeronave todos os procedimentos do interceptador irão variar de acordo com a situação encontrada.

Normalmente o RAD será sempre executado com o uso do NVG, a não ser que alguma luz esteja ofuscando o piloto.A partir do ITG o piloto deverá julgar a necessidade de utilização do farol de interrogação e a possibilidade de prosseguir na interceptação sem o uso dos óculos. Caso julgue possível deverá adotar os procedimentos já previstos para os vôos noturnos, atentando apenas para não ficar à frente da aeronave interceptada, de forma a permitir que a mesma, com o simples apagar das luzes externas e uma manobra evasiva, consiga fugir do interceptador. O posicionamento ideal será às 4/8 horas da aeronave interceptada. Também em virtude deste fato, o no 2 deve estar às 6 horas e sempre atento para as manobras da mesma.

4.4 – CONSIDERAÇÕES GERAIS

Alguns aspectos são comuns em todas as fases ou tipos de vôos e requerem, devido à sua especial importância, que sejam mencionados com relativo destaque.

4.4.1 – DESORIENTAÇÃO ESPACIAL

Ocorre com a mesma freqüência que em vôos por instrumentos em condições reais. Dessa maneira, um bom cheque cruzado, associado a um “scan” efetivo, será crucial para se evitar acidentes. Caso o piloto venha a sentir os efeitos da desorientação deve passar a voar por seus instrumentos. Se a situação tática permitir, ascender até a altitude de segurança e retirar o NVG.Quando voando em formação realizar o procedimento de perda de vista, de forma a garantir separação das outras aeronaves.

4.4.2 – EJEÇÃO

A ejeção com o equipamento só deverá ser realizada em casos de emergência extrema. Sempre que possível o equipamento, e os contrapesos, deverão ser desacoplados do capacete, de modo a evitar-se momentos de força na cabeça e pescoço dos tripulantes.

4.4.3 – CONDIÇÕES IFR

Mesmo com o NVG, por vezes pode ser difícil perceber a degradação das condições meteorológicas, sendo a formação de névoa baixa em dias de baixa temperatura um bom exemplo.

Não existe o caso de utilização do NVG dentro de nuvens, pois ocorre um ofuscamento muito grande da imagem vista através do equipamento.

Quando voando em formação, ao aproximar de condições meteorológicas que impeçam a continuidade do vôo visual o líder deverá comandar “flip-up” e reunir a esquadrilha ou comandar a dispersão e coordenar a separação em nível de vôo, de forma a garantir a segurança da formação.

  

CAPÍTULO 5

VISÃO PROSPECTIVA


Em virtude das várias limitações hoje encontradas na utilização dos óculos de visão noturna, muitas tecnologias e métodos de treinamento estão sendo desenvolvidos, com o intuito de melhor preparar os pilotos, para o uso destes equipamentos, e para sanar estas limitações apresentadas.

Uma das soluções encontradas para se diminuir a desorientação espacial e a carga de trabalho das tripulações foi buscar aumentar o campo de visão proporcionado por estes equipamentos. Desta forma surgiram os primeiros visores com quatro monóculos. Cada monóculo deste equipamento opera de forma isolada com as mesmas funções de ganho e proteção contra fontes brilhantes, de maneira que caso um seja afetado não influenciará na imagem exibida pelos outros três. As imagens captadas pelos quatro monóculos são agrupadas de dois em dois de forma a obter-se uma saída binocular, oferecendo ao usuário um campo de visão na ordem de 95 graus.

NVG Panorâmico

Fig. 1 – NVG PANORÂMICO

Ainda com o intuito de reduzir a desorientação espacial, uma outra solução encontrada foi sobrepor à imagem apresentada pelo NVG a simbologia do HUD. Desta forma, o piloto tem de forma contínua, não importando a direção em que está olhando, todas as informações necessárias para a condução segura do vôo.

ANVIS/HUD

Fig. 2 – ANVIS/HUD

No campo do treinamento, uma solução que recentemente foi aprimorada pela Força Aérea Americana é um sistema que simula o vôo com uso do NVG. Trata-se de um dispositivo de alta fidelidade, capaz de ser integrado ao simulador de vôo do F-16, permitindo a criação de cenários realísticos e proporcionando um grau de imersão nunca antes visto. Isto permite que as tripulações treinem para missões reais e estejam ambientadas com todas as ilusões visuais inerentes à operação com o NVG antes de começar o treinamento nos aviões.

Simulador de NVG

Fig. 3 – SIMULADOR DE NVG

  

CAPÍTULO 6

CONCLUSÃO

“Night Vision Goggles are just what any Air Force needs in a real battle…
Because of the goggles, we`re almost invisible at night…
They don`t turn night into day, but they help a lot...
Night Vision Goggles represent our superiority.”

U.S. Air Force Major during Afghanistan Campaign

  

Este pequeno depoimento resume toda a essência deste trabalho, destacando a importância de se operar durante o período noturno e como o NVG é a ferramenta que possibilita que isso aconteça.

Inicialmente foi apresentado um breve histórico da guerra noturna, mostrando o surgimento do conceito dos combates noturnos e sua evolução até os dias atuais. Em seguida foi realizada uma rápida abordagem sobre o equipamento que entrará em operação nos Esquadrões do 3o G.Av, descrevendo suas principais características e limitações. Logo após foram apresentadas as propostas de utilização operacional do NVG. Vimos as principais missões nas quais os óculos de visão noturna poderão ser utilizados, as formaturas sugeridas e alguns fatores considerados relevantes.

Finalmente, foram identificadas as mais novas tecnologias em operação que estão contribuindo para a elevação da capacitação operacional das tripulações e diminuindo as deficiências apresentadas pelos equipamentos atuais.

Desta forma, encerramos o presente trabalho esperançosos de ter, de alguma forma, contribuído para a elevação operacional da Força Aérea Brasileira. Muitos conhecimentos e idéias aguardam, ansiosamente, a chegada das novas aeronaves. Somente com a decolagem do primeiro A-29 com NVG é que poderemos realmente colocar em prática tudo o que se tem estudado e, só então, seremos capazes de formular as principais doutrinas e procedimentos a serem adotados.

  

1o Ten. Av. Rodrigo Gonçalves Stief

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. FORÇA AÉREA BRASILEIRA, “Manual de Vôo Noturno”, II FAE – 02 Setembro 1998
2. APOSTILA DE NVG – 5º/8º Grupo de Aviação
3. RELATÓRIO DE INTERCÂMBIO REALIZADO NO EXTERIOR BRASIL-COLÔMBIA
4. REVISTA FORÇA AÉREA, Ano 7, nº 27 – “O Braço Armado do SIVAM”
5. REVISTA FORÇA AÉREA, Ano 9, nº 33 – ”Tucanão Operacional”
6. http://www.enterprisenetworksandservers.com/monthly/art.php/1659.htm