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O TREINAMENTO DE CRM E O ESQUADRÃO DE CAÇA

(Prêmio Pacau Magalhães-Motta, ano de 2003, 1º lugar)

NOTA: 

O conteúdo deste documento reflete a opinião do autor, quando não citada a fonte da matéria, não representando necessariamente, a política ou prática da Associação Brasileira de Pilotos de Caça ou do Comando da Aeronáutica.

  

1) Introdução

Entendo que o ser humano é o elemento de maior abrangência de envolvimento na atividade aérea, sendo o CRM (“crew resource management”) uma das principais modalidades de treinamento que objetiva ao favorecimento de condições para a integração desse piloto com a sua aeronave, tanto quanto à adequação de suas decisões à complexidade e caracterísiticas da operação, como quanto ao conhecimento de si necessário para administrar adequadamente a sua resposta comportamental para a realização da operação.

Nesse universo de abordagem, recordo o ensinamento deixado por um conhecido e admirado comandante na caça, cujas palavras enfocavam a necessidade de “o piloto não permitir que a emoção venha a superar a razão, não obstante a vontade de acertar o alvo”. Ironicamente, ele veio a falecer por ter conduzido seu Gloster para o interior de uma nuvem que pairava sobre uma elevação, em uma área de vôo conhecida, ao tentar evadir-se de uma possível interceptação que estava sendo conduzida por pilotos seus comandados. Nesse sentido, desejo evidenciar como é importante enfocar no CRM aspectos e fenômenos específicos ao segmento da aviação que é o objeto do treinamento, além dos aspectos comuns a todo universo da aviação, naturalmente, também sendo adaptados às exigências e às necessidades desse segmento.

A partir de pesquisa e avaliação realizadas em operadores de vários segmentos operacionais, constatamos - eu e minha equipe de análise e aplicação desse treinamento - características e necessidades específicas, relacionadas, por exemplo, à efetividade da comunicação, ao relacionamento piloto-escalão superior, à assertividade, à tomada de decisão, ao relacionamento e à heterogeneidade das tripulações, ao sentimento de “posse” sobre os objetivos da missão, além de outros amplamente abordados nos eventos de CRM, e também presentes no desenvolvimento da operação aérea nas suas mais diversas formas.

Em função da experiência adquirida como coordenadores e facilitadores em cinqüenta desses cursos realizados em quatro anos, pudemos confirmar o benefício na abordagem diferenciada através da avaliação e consideração das particularidades dos segmentos mais complexos da aviação, projetando-se entre eles a aviação de combate armado, onde a velocidade, a necessidade de manobrar rapidamente e com variações amplas de velocidade e altitude e, ainda, tendo que se valer indistintamente dos três eixos cartesianos como referencial, ou seja, o uso pleno das faculdades e habilidades de forma irreversível, como fator de sobrevivência ou de morte.

2) Histórico do CRM

Para poder abordar com propriedade de expressão sobre o sentido do CRM e a sua apliação na aviação de caça, inicio com a narrativa de sua história, ou seja, de como nasceu, como evoluiu e porque hoje deve ser pensada na sua utilidade para a modalidade de combate na aviação.

O que é hoje conhecido como treinamento de “Crew Resoure Management” (CRM), nasceu como “Cockpit Resource Management” pois teve a aviação de grande porte como berço. Os primeiros acidentes que evidenciaram a necessidade de um treinamento como este ocorreram com uma aeronave onde trabalhavam três tripulantes na mesma cabine de comando, transportava cerca de trezentos passageiros, e cuja tecnologia, para a época, era considerada como a mais extraordinária já então pensada para apoiar a operação de uma aeronave.

Isso nos trouxe, como um produto agregado, a tendência cada vez mais acentuada de complacência, pois o ser humano que exercia a atividade de tripulante não percebia quando ele mesmo estava se “afastando” do comando da sua máquina e, cada vez mais, encontrava-se atrasado em relação às necessidades impostas pelo próprio vôo, o qual estava sendo sempre mais explorado além dos limites das condições ambientais até então já experimentadas. O primeiro acidente a revelar essa circunstância negativa, foi também o primeiro acidente ocorrido com um grande jato - geração dos “wide bodies” – em que ficou evidenciada a inabilidade da natureza humana acompanhar, em capacidade de resposta natural, o desenvolvimento tecnológico na mesma proporção. Esse fato ocorreu no início dos anos ’70.

Isso e outros aspectos da observação e análise desenvolvidas evidenciaram também outras incompatibilidades do ser humano com o ambiente do vôo automatizado, ao mesmo tempo em que revelavam aspectos da psique ainda não considerados no crescimento da aviação. Assim, percebendo-se que essa problemática transcendia a cabine de comando, a sigla CRM recebeu o novo significado de “Crew Resource Mangement”, pois passou a envolver todos tripulantes a bordo, o que na ocasião significava os comissários de vôo.

Com isso, passada uma década, o termo CRM foi expandido para novos horizontes e chegou até a administração da empresa, ganhando um segundo significado paralelo que é o hoje conhecido “Corporate Resource Mangement”, envolvendo apenas os administradores, ou seja, os que estabelecem os critérios e tomam as decisões empresariais estratégicas. Logo após, surgiu o TRM – “Team Resource Management” - destinado às equipes que trabalham em terra, nas atividades de apoio de manutenção, equipes de pista e outros.

Percebeu-se, também, que mesmo um treinamento destinado a resolver problemas graves, necessitava de um tempo de maturação prolongado, como resultado da limitada percepção do ser humano sobre si mesmo.

Isso também foi sentido no programa espacial, quando ocorreram acidentes e incidentes típicos do erro hoje abordado pelo CRM.

3) A doutrina de CRM

Com essa evolução, percebeu-se que a eficácia do CRM não surgiria a partir da realização de eventos isolados, mas necessitava uma conscientização por parte de todos envolvidos, o que significava trazer ao entendimento e à conscientização disso os tripulantes, os proprietários e administradores e os integrantes das equipes de apoio.

Para isso, tornava-se necessário lapidar as mentalidades em busca da formação de uma cultura positiva baseada nos preceitos até então inovadores, o que, para ser efetiva, requereu a adoção de procedimentos e esses passaram a constituir-se doutrinariamente, legando-nos então, o que chamamos a DOUTRINA DE CRM. Ao nos referirmos a uma doutrina, estamos considerando a influência da mentalidade sobre a cultura e a natureza tendenciosa dessa última que é a de moldar-se conforme as necessidades do indivíduo ou da coletividade, não atendendo, necessariamente, aos requisitos presentes na tecnologia. Já a formação doutrinária é permeada por procedimentos e pela sua execução organizada e disciplinada, satisfazendo a necessidade tecnológica em qualquer nível, desde que tecnicamente estabelecida.

Dessa forma, foi possível perceber-se que a recém-criada doutrina se aproximava das características da aviação militar que já se desenvolvia através de limites extremos, nunca experimentados pela aviação civil, mas que exigiam do ser humano - o piloto – desempenhar-se além da capacidade considerada segura para o piloto civil que tinha compromisso com as pessoas que ele transportava comercialmente. Essa forma de identificação pareceu tornar mais clara a necessidade do CRM para a aviação militar, uma vez que o vôo militar é sempre norteado por aspectos doutrinários de diversas ordens.

Ainda assim, havia lacunas na aplicação quando o ser humano, estimulado por sentimentos próprios – emoções – ultrapassava limites os quais ele mesmo não estava preparado para superar. Isso mostrou que a doutrina de CRM puramente ainda era insuficiente para o vôo militar que acontece de dia e à noite, sob qualquer tempo; com aeronave isolada ou em formação; desarmado ou com armas de grande poder letal; em baixas e altas velocidade e alturas; tudo isso, podendo ocorrer com a mesma aeronave e com o mesmo grupo de pilotos.

4) Benefícios do CRM para a Aviação de Caça

O vôo de caça, podendo ser considerado como o mais exigente da capacidade e habilidades do piloto, desenvolve-se em um ambiente extremamente hostil para o ser humano, em função das variáveis ambientais de aceleração, velocidade e altitude que resultam numa elevada carga de solicitação física e fisiológica do piloto (e o outro tripulante nos aviões dotados de um posto para o operador de sistemas). Embora os pilotos de caça sejam treinados nesse ambiente e preparados para responder adequadamente às elevadas cargas de desgaste físico, há um aspecto que transcende à capacidade de domínio do ser humano e está presente nessa operação que é a interferência negativa que a psique recebe de fatores internos e externos do complexo biológico do qual é parte indissociável.

Para evitar esses aspectos não há treinamento, pois em todo ser humano participante da sociedade atual, qualquer que seja a sua profissão ou atividade que exerça, a mente irá apresentar respostas semelhantes aos problemas ou circunstâncias semelhantes que são inerentes à sua vida pessoal, social ou profissional. Assim, uma doença na família, a perda de um ente querido, a preocupação com sua situação financeira; ou a sua personalidade arrogante, introvertida, excesivamente autoconfiante, prepotente, ansiosa, etc., irão provocar reações semelhantes, porém inseridas em um contexto situacional ou ambiental inóspito.

Com o desenvolvimento do CRM, percebeu-se que a abordagem dos aspectos circunstanciais e das características da personalidade poderia ser conduzida de forma a estimular o conhecimento de si para administrar a própria resposta comportamental quando sob influência de situações dessa natureza.

Isso se tornou possível pela observação e consideração da qualidade da decisão tomada quando sob influência de situações como essas. Uma simples análise de acidentes envolvendo diferentes circunstâncias e tipos de operação revelam que a inadequada decisão está presente na grande maioria dos eventos que integram qualquer universo de acidentes analisados.

Dessa forma, também vemos que a simples observação do erro cometido pelo piloto no momento do vôo torna-se inócua se quisermos tirar dele algum ensinamento, ou mesmo eliminá-lo da operação, pois assim seria o mesmo que olhar para a parte exposta de um “iceberg”, cujo sustento naquela posição está obscurecido pela água que o envolve.

A avaliação de uma operação à luz da doutrina de CRM nos permite perceber a vulnerabilidade da nossa psique, mas que embora extremamente frágil a todas essas interferências, pode administrada de modo que seja mantida em condições adequadas de “ação” e, conseqüentemente, de determinação da qualidade das decisões tomadas na fração de segundo disponível para o piloto, na cabine de comando.

É importante considerar, também, que na aviação de caça são realizados vôos de diferentes naturezas, embora com necessidades semelhantes. São eles o vôo de combate (em qualquer modalidade), o vôo de treinamento, o vôo de experiência de equipamento, o vôo de avaliação, o vôo administrativo, o vôo de deslocamento por instrumentos, o vôo de deslocamento sob condições visuais, o vôo isolado, o vôo com dois ou mais aviões agrupados sob a mesma liderança, etc.. Aparentemente, esses vôos têm as mesmas características, e realmente podem ter, mas há aspectos que os tornam distintos acima de qualquer avaliação, que são os aspectos psíquicos envolvidos. Isso, sem considerar que muitos dos pilotos de caça, nos esquadrões da Força Aérea Brasileira também voam pequenos aviões para a realização de vôos de ligação ou de adestramento, vôos esses que também têm seus aspectos psíquicos específicos.

Uma navegação visual em altitude pode ser facilmente conduzida, mas por sua simplicidade pode gerar um grau de complacência muito mais elevado que um vôo por instrumentos ou um vôo em formação sob condições ambientais adversas. Esses que por sua vez exigem um maior nível de presença mental e atividade física, facilitam um maior grau de atenção, mas podem despertar sentimentos de “poder”, de “fixação-do-objetivo” e manifestar condições de “autoconfiança” inadequadamente administrada. Tais fenômenos podem acontecer em qualquer uma das diferentes naturezas dos vôos realizados na caça.

Se os pilotos são adequadamente preparados para um vôo exigente, se aeronave está em adequadas condições de funcionamento e se a administração da unidade aérea é efetiva, como é possível que isso se torne realidade. A resposta é simples – temos um ser humano ocupando cada posto de pilotagem.

Conhecemos acidentes em que pilotos adequadamente qualificados, operando aeronaves sob condições normais, levaram seu vôo ao colapso, como foi o caso de um AT-26, em 1973, em Fortaleza, que se afastou da formatura durante a realização de uma acrobacia e chocou-se com o solo. Um AT-26 em vôo de treinamento de navegação a baixa altura, de Fortaleza para Natal, colidiu com o solo na tentativa de realizar uma acrobacia a baixa altura, para a qual não tinha sido treinado. O que existiu em comum nesses dois acidentes? Em uma visão geral e simples dos fatos, pode-se afirmar que houve a manifestação de circunstâncias sobre as quais o ser humano não pode ingerir naturalmente, a não ser que, de maneira provocada, venha a administrá-las. Foram questões de ordem pessoal em um dos casos e de personalidade em outro, ambos resultando em respostas comportamentais inadequadas, para as quais não havia controle no momento, a não ser que tivessem sido elaboradas antecipadamente.

Esse tipo de circunstância se tornou objeto da abordagem do CRM que enfoca diversos temas como Administração do Erro, Julgamento e Decisão, Treinamento e Condicionamento, Percepção ou Consciência Situacional, Comunicação, Formação de Equipe e o Vôo em Formatura, Assertividade e Hierarquia, Utilização Adequada dos Recursos, Vôo com um Só Piloto, Relacionamento Interpessoal, além de outros. Essa temática tem como enfoque principal a TOMADA DE DECISÃO pelo piloto e, a partir daí, o adequado gerenciamento dos recursos disponíveis para a condução do vôo, incluindo nesse universo de recursos, o próprio conhecimento e a experiência do piloto.

Assim, é possível perceber-se que a auto-administração é fundamental para o sucesso da operação e que essa mesma administração é responsável pela qualidade das decisões em todos os níveis - estratégicos e operacionais.

Ao que chamamos de “consciência” ou “percepção situacional” é que devemos atribuir o sucesso ou o insucesso em um processo como esse, para que a possibilidade de erro que está em cada um de nós, seres humanos, seja administrada em função das necessidades e características individuais e operacionais envolvidas. Consciência das condições exteriores, mas também das condições interiores individuais que, dentro de uma redoma de conhecimento, experiência e capacidade de decisão, somente o solitário piloto de caça, pode perceber.

5) Aplicação do CRM ao Vôo de Combate

O vôo de combate, entendendo-se por combate o emprego do avião de caça em todas as modalidades bélicas para as quais foi designado, é o segmento que caracteriza a aviação de caça e, portanto, deve ser o foco central do treinamento e do preparo dos seus pilotos.

Também, a característica do vôo de combate é a aparente solidão do piloto, embora ele saiba que há muitas pessoas envolvidas em cada decisão que venha a tomar, tanto nas suas causas como nos seus efeitos. Referindo-me às palavras de um líder de esquadrilha, publicadas no ABRA-PC Notícias, Ano VI, No 37 (setembro/outubro 2002), página 30, a respeito de um vôo que resultou em acidente para um dos seus integrantes - ... foi a minha decisão solitária .... - podemos entender, perfeitamente, o sentido de estar solitário e permanecer responsável por inúmeros aspectos e pessoas envolvidas, embora não tenha acesso às decisões tomadas em cada micro universo desse macro universo que é o vôo em formação, ainda que a formatura já tenha sido desfeita.

Retomando o conceito de consciência situacional e reconhecendo a definição aplicada pela aviação da Marinha dos EUA, temos que “consciência situacional é a capacidade de nos mantermos alertas para o que acontece à nossa volta, tão bem quanto para o que acontece na nossa atividade primária”. Essa necessidade fica bem clara ao refletirmos sobre as palavras de um instrutor de caça, veterano do 1o Grupo de Caça, na Itália, liderando um elemento em um vôo de treinamento de combate de elementos do ESPC (Estágio de Seleção de Pilotos de Caça), publicada no ABRA-PC Notícias, Ano VII, No 40 (abril/maio 2003), página 10. Essas palavras foram narradas pelo piloto estagiário que recebia instrução naquele vôo - ... se você continuar escondido atrás do meu avião, não vou poder apertar a curva. Preciso saber onde você está... - é preciso considerar que, no treinamento anterior a essa observação, eles teriam sido abatidos por falta de condição do líder para manobrar, e que após isso, tendo o estagiário correspondido à expectativa do seu líder, os combates simulados tiveram outro desfecho operacional.

Esse exemplo de necessidade da manutenção da percepção situacional nos coloca diante da necessidade única de sabermos, permanentemente, o que está acontencendo à nossa volta, como um critério para sobrevivência em situação de combate. Mas, é necessário entender-se as variáveis que colaboram para a manutenção desse grau de percepção e o que pode ser fator de sua degradação, ou mesmo de morte. Ao recordarmos os dois acidentes com AT-26 no Nordeste, já comentados anteriormente, e o acidente em que o Gloster colidiu com a elevação, podemos relacionar o inadequado nível de percepção situacional de cada um dos pilotos, relativamente à necessidade daqueles momentos e, em cada um deles.

Referindo-se a isso, podemos entender como esse aspecto, despertado em um acidente em que pilotos de um avião de passageiros não perceberam o desvio ocorrido na operação do piloto automático, chega até ao vôo de combate, em diferentes circunstâncias, mas com a mesma abordagem – a necessidade de o piloto manter-se alerta ao que ocorre à volta da sua atividade de pilotagem, seja realmente à volta do seu avião, ou à volta da sua mente, na atenção requerida para a condução do vôo operacional. O nosso interior, aqui expresso pela distração mental decorrente da canalização dos pensamentos, seja ela por motivos técnicos ou de ordem emocional, ocorre com muito mais freqüência do que podemos imaginar e, muitas vezes, em intensidade que não podemos administrar. Por sorte, muitas vezes não há fatores críticos presentes, ou há fatores compensadores que impedem os desfechos catastróficos.

A decisão do piloto, como já mencionamos, tem um componente verdadeiramente solitário, é fruto direto do grau de consciência situacional e, por muitas vezes, ainda que estejam em questão aspectos de extrema criticidade, eles se tornam bem sucedidos, porque foram consideradas nesse processo as variáveis presentes e influentes da probabilidade de o objetivo ser alcançado. A consideração adequada dessas variáveis presentes é que permite a adoção de soluções alternativas eficazes, não obstante o grau de risco envolvido.

Tivemos exemplos assim quando da interceptação de um avião procedente de Cuba, por ocasião do conflito conhecido como a Guerra das Malvinas, em que dois Mirage decolaram da Base Aérea de Anápolis e o interceptaram com sucesso, a despeito da condição crítica em que se encontravam, por combustível já escasso e a falha no funcionamento de equipamentos e instrumentos críticos para a operação daquele avião.Também, recordamos o conhecido e tão polêmico pouso de outro Mirage com o motor inoperante, em Anápolis, sob condições meteorológicas marginais. A despeito de toda polêmica levantada sobre a atitude do piloto em questão, uma decisão solitária foi tomada na cabine, o pouso foi bem sucedido. Houve riscos envolvidos, mas o que realmente se passou na mente daquele ser humano? Isso nós só podemos saber se for narrado por ele mesmo e, mesmo assim, é preciso lembrar que a nossa mente guarda segredos que nós mesmos não conseguimos acessar. Em todos esses casos aqui narrados, devemos considerar uma questão básica – qual era o conhecimento daqueles pilotos sobre as variáveis presentes na operação? Com certeza, era adequado e suficiente para a tomada de decisão, pois não havia ali, ninguém que pudesse assessorá-los plenamente. Isso é a consciência ou a percepção situacional plena.

Por que, então, uns pilotos desempenham-se bem a partir do seu grau de percepção situacional e outros não conseguem fazê-lo? A resposta é simples e já foi mencionada anteriormente – é um ser humano que ocupa cada posto de pilotagem e toma sua decisão de forma solitária. Sendo assim, resta-nos buscar conhecer o PORQUÊ de algumas decisões não serem adequadas e utilizarmos o exemplo de outras o terem sido, pois somente assim, poderemos treinar pessoas a se conhecerem, a perceberem o grau de percepção situcional e a estabelecerem a adequabilidade da sua resposta em dado momento. Seria muito mais fácil se, à semelhança dos aviões, também existisse um manual de operação para cada ser humano. Como não há, somente podemos conscientizá-los a respeito da necessidade de adequação da sua resposta a cada diferente situação operacional e orientá-los sobre como avaliar sua capacidade de prover esse nível de resposta, também, em cada momento distinto.

Ao considerarmos a importância desse treinamento para o vôo de formatura, é preciso considerar os conceitos de formação e de formatura, tão conhecidos de todos os que trilharam pelas unidades operacionais. Embora desfeita fisicamente, a formatura permanece enquanto houver a formação e isso constitui uma necessidade básica para a manutenção da percepção situacional pelo líder da caça. Ora, o vôo de formatura é básico para o emprego da caça, portanto, o nível de percepção situacional requerido do piloto de caça, seja ele o líder ou um dos alas, é o mesmo. Como no exemplo em que o líder precisava saber onde o ala estava para poder manobrar de acordo com a necessidade operacional, o ala deve conhecer a necessidade do líder para corresponder antecipadamente. Isso nos leva à necessidade de instalar um nível de consciência “a priori”, ou seja a pecepção situacional do que ainda está por acontecer.

Associado a esses aspectos presentes no vôo de formatura, o CRM para o vôo de combate deve considerar as características do vôo de formatura e que podem ser resumidas em duas principais que, se atendidas, irão satisfazer as necessidades da demais, são elas a mobilidade e a flexibilidade. Podemos voltar para o exemplo do vôo de combate em elementos, onde a mobilidade estava comprometida e, conseqüentemente, a flexibilidade daquela formatura que, por impedimento do líder em conhecer a posição do seu ala, não poderia ser modificada adequadamente se assim fosse necessário para a obtenção de vantagem em algum momento do combate e de alguma forma adequada. Novamente, percebemos uma questão de sobrevivência ou de morte no emprego da aviação de caça por limitação natural do ser humano.

A comunicação, é um fator decisivo para o sucesso de uma operação, podendo, pela sua inadequação, vir a comprometer uma decisão que levaria o piloto à vitória. Há um exemplo, talvez conhecido somente por poucos, em que um F-5 que decolou da Base Aérea de Satna Cruz passou a apenas alguns poucos metros, em trajetória frontal, de um Seneca com seis pilotos do 1º GDA, quando ambas aeronaves estavam sendo utilizadas para uma verificação de rota de navegação a baixa altura. Embora os pilotos nos dois aviões tivessem definido altitudes para permanecerem sobre os objetivos, fatores de percepção do piloto do F-5 fizeram crer que o Seneca já não mais estava naquele espaço aéreo e alterou o que havia sido previamente combinado. Uma decisão influenciada por fatores externos e um conseqüente processo inadequado de comunicação favoreceu à ocorrência de um acidente sem condições de gerenciamento das variáveis determinantes.

6) O CRM e o Vôo de Instrução de Caça

O vôo de instrução de caça, embora seja um treinamento para o exercício da atividade operacional, requer um processo de aprendizado onde o instruendo parte do conhecimento apenas teórico, em direção à plenitude da habilidade prática e da capacidade de decisão.

O aprendizado em vôo requer todos os cuidados e o potencial de habilidade necessário à evolução gradativa de desempenho, ou seja, requer o estabelecimento do grau de consciência situacional necessário à efetividade no processo da comunicação que, ao final, virá garantir a qualidade da decisão tomada, seja em carácter operacional ou em carácter de treinamento para a obtenção de tal qualificação.

As características individuais também podem favorecer ou comprometer a qualidade do treinamento que irá gerar melhores ou piores pilotos operacionais ao final do processo. Se considerarmos que tais características podem manifestar-se de forma indistinta no vôo operacional ou no vôo de instrução, temos as mesmas necessidades para a garantia do sucesso nas gerações seguintes dentro do processo natural de transmissão de conhecimentos. A história da instrução nos cursos de formação de pilotos de caça está permeada de manifestações comportamentais inadequadas à aeronave ou à situação operacional sendo vivenciada, da mesma forma que estão presentes na nossa memória, inúmeros casos em que crises foram administradas pela capacidade de pronta resposta do instrutor presente na mesma aeronave do instruendo, ou em outra da esquadrilha.

7) O CRM e os Vôos Administrativos Realizados por Pilotos de Caça

O vôo em um avião de caça é cercado de preparativos por parte do sistema e do próprio piloto mas, como conseqüência de uma condição inerente à natureza humana, quando esse mesmo piloto se encontra em uma cabine de comando muito menos complexa, a tendência da complacência surge e a operação dos aviões como o T-25, o U-42 e o U-8, normalmente existentes nos esquadrões de caça torna-se perigosa, não pela aeronave em si, mas pela forma como a sua operação é conduzida.

Situação desse tipo foi vivenciada pela caça brasileira, quando um L-6 e um T-25, em épocas diferentes, projetaram-se no solo na área do estande de tiro utilizado pelo 1o/14o G.Av, em São Jerônimo. Em ambos os casos, os pilotos subestimaram a performance dos respectivos aviões, e se propuseram a realizar manobras não previstas para a missão sendo realizada. Percebe-se, nesses casos, uma resposta comportamental motivada por características individuais que não estavam sendo administradas adequadamente.

8) Aplicação do CRM às Atividades de Apoio de Solo

Da mesma forma que os pilotos, os mecânicos e seus auxiliares também manifestam as variações da sua capacidade de resposta decorrentes da interferência de variáveis presentes na atividade e na vida pessoal de cada um. As situações são as mesmas, os processos de análise e decisão também são os mesmos, portanto, a solução também está na aplicação dos mesmos processos educativos e de conscientização.

Há um exemplo também muito conhecido, em que um piloto de Mirage faleceu após a ejeção mal sucedida devido à parada do motor durante uma arremetida em um vôo de treinamento. A análise desse evento nos revela a manifestação de problemas pessoais do mecânico que havia trabalhado naquele assento ejetável no dia anterior e, por impulsos decorrentes dos problemas vivenciados, não seguiu os procedimentos padronizados para a realização do serviço, sendo vítima do seu próprio esquecimento que o levou a não reconectar o cabo de acionamento automático do pára-quedas que foi indevidamente desconectado.

Assim, a história da caça está pontuada por vários outros fatos com conseqüências menos drásticas, mas cuja tônica foi a falha decorrente de uma decisão norteada por fatores não técnicos que não puderam ser administrados por quem estava por eles envolvido.

9) Conclusão

Da mesma forma como foram apontados alguns casos de insucesso na decisão tomada em algum momento do vôo, vários casos de sucesso decorrente de decisões oportunas são conhecidos, tendo apenas alguns sido mencionados nestas linhas.

Em tudo isso, percebe-se uma necessidade que pode ser atendida pela aplicação de uma doutrina simples e eficaz para um segmento tão complexo da operação – a aviação de caça.

É evidente que a doutrina de CRM, por mais simples que seja, pode ter a sua implantação dificultada, ou até mesmo impedida, se aqueles que administram a operação assim não o desejarem. Por outro lado, se os responsáveis pela adoção dos critérios e pela tomada das decisões a nível estratégico nas unidades aéreas da caça assim o desejarem, está ao alcance deles um universo de possibilidades ilimitado, pois o alcance do treinamento de CRM e da conseqüente implantação dessa doutrina, especificamente abordada, e não apenas considerando a pilotagem do avião, torna-se ilimitado e pode favorecer qualquer segmento da atividade desenvolvida na unidade aérea.

A abordagem foco dessa apreciação é puramente teórica, embora traduza fatos da realidade encontrada na aviação de caça brasileira. Para que esse trabalho não permaneça no campo dissertativo, concluo com a oferta de nossa equipe para ministrar treinamento de CRM para as unidades de caça, de acordo com a especificidade requerida por essa aviação, e da forma como os interessados desejarem, por unidade ou em um grupo composto por pilotos de vários esquadrões.

Também, incluímos nessa oferta a realização de Curso de TRM para as equipes de manutenção e de atendimento de pista.

Com isso, e concluindo o pensamento inicial, o CRM e o TRM surgiram para favorecer ao gerenciamento adequado da operação, ao nortear cada decisão pela razão do piloto, e não pela sua emoção.

  

T.Cel.Av. Luiz Alberto de Athayde BOHRER


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